segunda-feira, 25 de maio de 2020

Parte I - Diálogos e Conexões: Breve Ensaio Sobre o Desenvolvimento da Ciência Geográfica

Texto pelos petianos e licenciandos em Geografia: Arthur Macedo Fernandes e Maria da Conceição Nascimento.

Introdução


    A constituição de uma ciência exige tempo (e espaço), assim também ocorre com a Geografia. Enquanto tema, sempre apareceu em diversos estudos de antigas civilizações, sejam em relação ao clima, a vegetação, a cartografia, ao relevo e suas diversas interações com o espaço. Ptolomeu, Hipócrates, Aristóteles trabalharam com a temática em seus mais complexos estudos (MORAES, 2007). Passando desde as mais antigas civilizações, os aristocratas naturalistas, as “escolas” alemã e francesa, ao pragmatismo norte-americano e a comentada geografia crítica. Por fim, a penetração e o desenvolvimento da geografia no Brasil, principalmente, no Nordeste. Todas essas movimentações epistêmicas que abarcam tal ciência têm como fundamento seu contexto histórico, político e social, implicando nas formulações do que hoje entende-se Geografia. Isto é, cabe a análise de seu respectivo contexto, os estudos elaborados por autor/a e suas consequências para a sociedade. 
    Antes de iniciar o texto, cabe ressaltar, para uma melhor compreensão do que se trata, a diferença entre conhecimento e pensamento. Etimologicamente, conhecimento deriva do latim cognoscere que significa “aprender sobre; saber sobre”. Nicolla Abbagnano (2007, p. 174) diz que é “uma técnica para a verificação de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou posse de uma técnica semelhante. Por técnica de verificação deve-se entender qualquer procedimento que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto”. O pensamento vem de pensare e traduz-se “formar uma ideia e/ou refletir”, e seu conceito, grosso modo, é “Atividade do intelecto em geral, distinta da sensibilidade, por um lado, e da atividade prática, por outro” (Ibidem, 2007, p. 751). 
    Portanto, alguns dos assuntos tratados no texto podem seguir na formulação do pensamento e/ou conhecimento geográfico. O objetivo do texto tem como conduzir o/a leitor/a a formação da geografia enquanto cognoscere e pensare. Assim, adotamos uma linha de raciocínio evolucionista como ferramenta didática. Mas entendendo de que o processo paradigmático não ocorre homogeneamente, mas sim simbioses entre diversas produções, método, pensamentos, epistemes e teorias. 

1. Origens do Conhecimento Geográfico: da Antiguidade até os Naturalistas


    As origens remotas da geografia, tanto como tema quanto uma disciplina, diz respeito a civilizações ocidentais-orientais, isto é, a construção do conhecimento não é homogênea na região da Europa Central. A título de exemplo tem o mapa-múndi produzido pelo árabe Al-Idrisi (Figura 1), e perceba que as referências cartográficas estão invertidas, sendo o Sul sua referência.

Figura 1: Mapa de Al-Idrisi. 
Fonte: https://sindominio.net/labiblio/varios/IdrisiMap.jpg. Acesso em 20 de maio de 2020.

    Outra parte, amplamente conhecida, são as cartografias e/ou pesquisas com temáticas que tangenciam a geografia de estudiosos da Grécia Antiga, entre eles Aristóteles, Hipócrates, Eratóstenes, Estrabão, Ptmolomeu entre outros mais. Cavalcanti e Viadana (2010, p. 30) em seu texto comenta sobre Estrabão: 
Com referência a autores que contribuíram de forma efetiva nesse período para a concepção da ciência geográfica, destaca-se Estrabão (63 a.C – 24 d.C), autor de Geographia, um tratado de dezessete livros contendo a história e as descrições de povos e locais do mundo conhecido à época. [...] Apesar dos erros, essa obra foi a primeira desse gênero herdada da Antiguidade. Conforme Estrabão, “a Geografia [...] nos parece ser, como algumas ciências, do domínio da Filosofia [...] a variedade de aplicações que é susceptível a Geografia, que pode servir, por sua vez, às necessidades dos povos e aos interesses dos chefes...implica que o geógrafo tenha esse mesmo espírito filosófico habituado a meditar sobre a grande arte de viver e de ser feliz” (2010, Pg. 30).
    A influência dos autores da Antiguidade é imensa, outro grande importante pensador foi matemático, geógrafo, astrônomo que “com sua obra Geographia em oito volumes, contendo todo o conhecimento geográfico greco-romano. Ptolomeu (90 – 168 d.C) inclui coordenadas de latitude e longitude para os lugares mais importantes, com observações astronômicas em Alexandria” (ibidem, 2010, p.31). O mais importante da obra do autor é que irá influenciar estudiosos da Idade Média até o renascimento.

Figura 2: Reconstituição do mapa criado por Ptolomeu na sua obra Geographia (150 d.C). Note a projeção cônica equidistante criada por Ptolomeu
Fonte: Graecia Antiqua (2007)

    O imenso acervo do conhecimento científico foi trancafiado nos mosteiros no período conhecido como Idade Média, sendo quem detinha tais assunto era a alta hierarquia do cristianismo apostólico, tendo dois estudiosos de grande relevância – Santo Agostinho e São Thomas de Aquino. Entretanto, a “verdade” permanecia na fé cristã, vangloriada pelo dogma, sendo este incontestável. Houve, vale a pena salientar, muitas perseguições e torturas aos opositores do dogma cristão através da Santa Inquisição.
    O estudo da geografia se manteve limitado a partir desse contexto. A cartografia, grande aliada da geografia, detinha certa carga simbólica nas propostas dos estudiosos da Idade Média, sem propósito de localização ou para navegações. Os famosos mapas TO eram trabalhados contendo a Europa, Ásia e África. Esse entendimento tem ligação com a Santa Trindade (Deus, Jesus e Espírito Santo), representava também os três reis magos. Ou seja, a idiossincrasia da geografia medieval representava o modelo socioeconômico e cultural vigente da Europa através de uma abordagem simbólico-qualitativa. Outra característica da geografia medieval, grosso modo, foi que muitos estudos foram plagiados de estudiosos pagãos, ou melhor, houve reproduções de outras obras e isso explica a preocupação de guardar toda a literatura do que melhorá-las, o próprio contexto das invasões deu certa preocupação para tal ato (BAUB, 2007).
A mudança na estrutura social, política, cultura e econômica que se deu após a Idade Média forma-se com o corolário do fortalecimento da atividade mercantil, com o nascimento das primeiras cidades junto ao crescimento da burguesia trouxeram mudanças no paradigma do conhecimento, a penetração do capitalismo e dos interesses políticos e econômicos da burguesia se alastraram na Europa, não de modo uniforme mas teve movimentações territoriais específicas, aumentando o acervo dos estudos sobre a superfície da Terra e tal período chama-se Renascença.

Figura 3: Mapa construído por Isodoro de Sevilha, percebe-se que é tripartido (Ásia, Europa e Africa).
Fonte: Baub (2007)

    A mudança na estrutura social, política, cultura e econômica que se deu após a Idade Média forma-se com o corolário do fortalecimento da atividade mercantil, com o nascimento das primeiras cidades junto ao crescimento da burguesia trouxeram mudanças no paradigma do conhecimento, a penetração do capitalismo e dos interesses políticos e econômicos da burguesia se alastraram na Europa, não de modo uniforme mas teve movimentações territoriais específicas, aumentando o acervo dos estudos sobre a superfície da Terra e tal período chama-se Renascença.
    O Renascimento, tendo como características a retomada dos estudiosos clássicos gregos, como Platão e Aristóteles – dois filósofos de grande oposição entre suas ideias e métodos. Mas o principal papel do renascimento é o rompimento de um modelo feudal, com ampla força política e moral institucionalizada pela Igreja Católica para o modelo capitalista. Tal fenômeno deu-se a partir das aglomerações urbanas em volta dos feudos, chamando-se de burgos, gerando a burguesia, que posteriormente, com o acumulo do capital ganha espaço e influência política a seus interesses.
    Há de se comentar que com a consolidação precoce dos Estados-Nações, como a Inglaterra, Portugal, Espanha, deram início aos estudos cartográficos para a navegação, tendo a particularidade de explorações continentais. Mas os dois mais influentes nascem na aristocracia prussiana (futura Alemanha), Alexander Von Humboldt e Karl Hitter. A penetração do capitalismo fora tardia na Prússia, e que ainda sobrou restolhos do feudalismo e a formação da burguesia não trouxe um caráter de união nacional (assim como a França), vale ressaltar que a entrada do capitalismo foi intensa na questão agrária, mas sua forma ainda se manteve, entretanto, o conteúdo perdurou. Isto é, o poder se concentrava nos grandes proprietários de terras.
    Moraes (2007) salienta que a questão do espaço na Alemanha foi essencial para a construção de um estudo mais aprofundado sobre a geografia em relação ao contexto do início século XIX e com isso diz:
A falta da constituição de um Estado nacional, a extrema diversidade entre os vários membros da Confederação, a ausência de relações duráveis entre eles, a inexistência de um ponto de convergência das relações econômicas – todos estes aspectos conferem à discussão geográfica uma relevância especial, para as classes dominantes da Alemanha, no início do século XIX. Temas como domínio e organização do espaço, apropriação do território, variação regional, entre outros, estarão na ordem do dia na prática da sociedade alemã de então. É, sem dúvida, deles que se alimentará a sistematização geográfica. Do mesmo modo como a Sociologia aparece na França, onde a questão central era a organização social (um país em que a luta de classes atingia um radicalismo único), a Geografia surge na Alemanha onde a questão do espaço era a primordial (2007, Pg. 61)
    O naturalista Humboldt, trouxera pela primeira vez a discussão da forma na geografia dentre as suas expedições ao mundo, buscando um caráter mais cientificista, tramando com método empírico dedutivo. Humboldt foi influenciado por grandes filósofos entre eles está Imannuel Kant, Schelling e Goeth. Com seu leque de conhecimento trouxe o conceito de paisagem a partir de tais teórico e da observação. A paisagem deveria ser contemplada pelo pesquisador de forma estética e a partir da observação sistemática e do raciocínio lógico levaria até a explanação. O naturalista entendia a geografia como a síntese de todas as outras ciências da Terra.
    Para concluir, vale a pena lembrar a influência do também naturalista (e da alta aristocracia) Karl Ritter, pois trouxera a carga filosófica e histórica para a geografia. O teórico dizia que o estudo geográfico tem o dever de encontrar uma área dotada de uma individualidade, ou seja, buscar a individualidade dos lugares tendo o homem como elemento principal. Por fim, tais curiosos pertenciam a aristocracia de suas épocas, tendo o privilégio de serem pesquisadores.

Referências


ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 2007

CAVALCANTI, Agostinho Paula Brito & VIADANA, Adler Guilherme. Fundamentos históricos da geografia: contribuições do pensamento filosófico na Grécia antiga, p. 11-34. In: GODOY, P.R.T. (org.). História do pensamento geográfico e epistemologia em Geografia [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

MORAES, A.C.R. Geografia: Pequena história crítica. São Paulo: Annalumbe. 2007.

BAUAB, F. P. Idade Média e conhecimento geográfico. Revista Faz Ciência, Londrina v.9, n.9, jan. /jul., 2007, p. 149-166.